SPINAT HA'NESHAMÁH
MENAVÉT BE'EINSÓF
Como é que alguém se prepara para uma longa viagem? Provavelmente faz as malas, verifica a documentação e as passagens, mune-se de um roteiro…ou simplesmente sai à aventura de mãos nos bolsos. Tudo é possível, tal a diversidade dos seres humanos. Mas e se a viagem for interior? Nesse caso as malas não lhe servem de nada, só o vão empatar, documento algum lhe pode dizer qual é a sua verdadeira identidade, a passagem não custa dinheiro, mas atenção não é gratuita, paga-se com esforço…roteiro? Não precisa de o comprar só tem que se lembrar que está dentro de si, melhor, basta recordá-lo.
O livro que se prepara para ler é uma dessas viagens. Segue a via oposta a muitos livros de ficção científica. Nestes, fragmentos de saber iniciático ou pseudo-iniciático são utilizados amiúde para dar ambiente às obras, servindo mesmo para justificar ou mesmo salvar um percalço no enredo, como por exemplo a súbita irrupção neste de uma temível ordem salvadora ou maléfica, segundo a melhor conveniência do autor, de feitiços, poderes mágicos, seres sobrenaturais, mutantes etc.
Não é este o caso, tecnicamente Qédem pode considerar-se um mosaico iniciático, cuja história, bem contada, lhe serve de veículo. Quer isto dizer que as personagens são secundárias, meros figurantes? Não, nem por sombras, elas são muito importantes, representam os arquétipos da humanidade, são símbolos de pleno direito. Toda uma panóplia de sentimentos, de capacidade e traumas emerge da narrativa, dor, doença, morte, inveja, esperança, cobardia, heroicidade, o melhor e o pior que há em cada ser humano, com os quais muitas vezes só nos deparamos quando a vida nos presenteia com uma situação limite, mas que estão latentes ou expressos em gradação vária, em todos nós.
Tomando como ponto de partida que qualquer texto deste género possui vários níveis interpretativos, conforme as “chaves” que lhe são aplicadas, viaja-se não com as personagens, mas através delas, planetas, distâncias, orações, nada está lá por acaso, nem tão pouco a paisagem. Tal como as espirais, também o conhecimento se desenvolve e evolui, rodando, e ganhando maior amplitude, dentro do microcosmo que é a mente, provocando o desdobramento da consciência. Um símbolo pode estudar-se na sua formulação intelectual, mas só quando é intuído e interiorizado se torna operativo.
O ensinamento segue uma rota Cabalística através de um desdobramento duplo, faseado. A história, pontuada pelos poemas e contos, onde é reunido muito do imaginário e das tradições das três religiões abraâmicas, desperta em nós um fundo místico latente. Não só por causa de uma qualquer prática religiosa, maior ou menor, de que tenhamos sido imbuídos, mas porque tudo o que fazemos, tocamos, sentimos e pensamos está repleto dessa energia-pensamento que nos foi legada pelo cosmos, através dos nossos ancestrais e plasmada em seguida não só nos Livros Sagrados, mas também nos monumentos, no canto, na forma de ser, etc. Ainda que sem qualquer crença definida, ainda que sem crer, ela continua lá, à nossa espera, difusa mas constante, é um poder-ser. Quando nos apercebemos dela, melhor quando a consciência não racional dela se apercebe, entramos na primeira fase a da mística pura, com o seu corolário o êxtase, em muitos casos manifesta-se o onírico superior. Visões, sonhos, premonições, acompanham-no.
Para aqueles que conseguiram despertar completamente, a viagem interior continua. Sabem agora que o espaço e o tempo são inexistentes e que as dimensões são apenas ferramentas de arrumação lógica, sem substância outra que aquela que nós lhes damos. Prontos para o casamento místico, participantes na consciência superior. A obra acaba precisamente aqui, ou será que começa?
Prólogo para a publicação na Europa